terça-feira, 30 de junho de 2009

Ruralidades

É parar-se na rua para cumprimentar quem não se conhece e passar uma tarde inteira à conversa, versando sobre assuntos que nunca imaginamos conseguir alimentar uma conversa, durante tanto tempo, com tanto interesse.

É lançar-se algo à terra só porque sim, para não se perder tudo e seja o que Deus quiser, logo se vê o que dá e, meses depois, sem ter tido qualquer atenção ou trabalho, recolher, recolher, recolher, conseguir com isso jantar e ainda sobrar para mais refeições.

É conseguir sentir o sabor bom das coisas da terra, da diferença das coisas de lá e de cá, dos supermercados, plásticas e adulteradas, apenas pelo lucro de alguém.

É subir um caminho íngreme e sentir o vento fresco e limpo, em pleno verão, sem escapes, sem stress, tendo todo o tempo para o saborear e, saber que no dia seguinte assim será novamente. E depois e no outro novamente, ciclicamente, sem parar, numa perfeição que assusta e conforta.

É mergulhar as mãos em concha a um riacho e poder beber sofregamente, sem o medo de nada, com a certeza de que mais puro não há, sem ter que, em troca de matar a essencial sede, dar uns euros.

É deitar na serra, numa noite escura e observar, apenas acompanhado pela brisa e cantar dos grilos, o céu estrelado, os planetas, ver estrelas cadentes e pedir desejos com a fé inabalável de que se vão realizar e ter a via láctea como testemunha única.

É ver o crescimento das árvores, vê-las ultrapassar o plantador, vê-las fortalecerem-se ano após ano e retribuírem assim o carinho e atenção que lhes damos, como o bem mais precioso que existe, sem olhar a medidas: deste-me pouco, dar-te-ei muito!

É ouvir dos antigos ensinamentos perdidos que nunca chegarão às cidades, que apenas persistiram nos vales e socalcos que vemos e que aprendemos a amar, pelas histórias, pelo esforço, pela admiração de sermos filhos de uma terra árdua, dura e inóspita, mas que sempre soube recompensar a dedicação e o esforço dos nossos antepassados e, agora, nosso.

É ter saudades do folclore e dos bailaricos, independentemente de os conseguir apreciar ou dançar convenientemente, pela tradição, pela partilha, pela saudade do calor das gentes do campo, do seu cheiro, de as sentir nos braços enquanto se dança.

É vir embora de tudo isto e sentir um aperto enorme, uma vontade inabalável de ficar, de ser, ali, só ali, um dia, todos os dias. Aquilo que ouvimos, vemos, aprendemos e sentimos, deixar ficar para quem virá e, como nós fizemos, aprendam a amar aquele cantinho, por tudo, por ele apenas e pelo que nos dá despretensiosamente.

É chegar à cidade e estar preocupado se chove ou não, porque se adubou as árvores e uma chuvinha vinha mesmo a calhar, apesar de provavelmente chegar encharcado ao trabalho ou ir agravar as infiltrações que teimam em vencer o betão e tijolo lá do prédio.

É muito mais, sentir-se muito mais do que isto mas por simplicidade, por incapacidade, por rudeza, por defeito, não se conseguir palavras bonitas nem frases elaboradas para o fazer: passem por lá, apaixonem-se e sintam!

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Mundo cão

Cão que ladra não morde, sempre disseram e eu, bom cão que sou, só ladro um pouco, não mordo nada. Mais, só ladro aos que passam, não aos que por ventura param com o meu ladrar. Não têm mesmo razão para se assustarem; mais vos digo que os dentes são rombos, a visão fraca e o medo de levar um biqueiro, enorme, pelo que mesmo que tivesse ganas de morder, por engano, por uma vez que fosse, acho que nunca conseguiria. Ainda assim e como me está nos genes, ladro, ladro sem parar.

No outro dia rosnava sobre o estado das coisas. Nada disto é novidade, porque muitos rosnam sobre isto, mesmo humanos, poucos mordem por isto; lá está, sou só mais um na matilha e nem dos pioneiros, dos que mordem a torto e a direito quem à frente se põe, sou ou me sinto.

Mas dizia eu que rosnava. Não porque sim, mas porque sentia que tinha que o fazer. Sinto que o rumo das coisas está feio. O meu dono já não me faz festas quando chega a casa. Tarde, cada vez mais tarde. Sem paciência, com muito pouco paciência, cada vez menos paciência. Interrogo-me sobre o porquê da minha existência? Se sempre fui o melhor amigo do homem, porque é que o deixei de ser agora, de repente? E não é só o meu dono; noto agressividade e alheamento, desinteresse talvez, dos que por mim passam na rua. Pergunto-me porquê; deixei de ter interesse?

Um dia resolvi ir ter com o mundo.

Dizem que é cão, perceber-me-ia de certeza.

Continuo a caminho, vou vendo, elaboro novas perguntas. Pode ser que me consiga responder. Quando o encontrar. Se o encontrar. Se calhar, penso, tenho procurado no sítio errado!

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Medo(s)

Tenho medo disto!

Tenho medo dos dias que começam mal.
Tenho medo dos dias que acabam bem (demais).
Tenho medo do que dizem.
Tenho medo do que pensam.
Tenho medo do que não dizem.
Tenho medo daqueles que não pensam.
Tenho medo de ti.
Tenho (muito) medo de mim.
Tenho medo do sim.
Tenho medo do não.
Tenho medo de decidir.
Tenho medo de não sentir.
Tenho medo de sentir demais.
Tenho medo do exagero.
Tenho medo do calor.
Tenho medo do frio.
Tenho medo de ser apanhado.
Tenho medo de não fazer nada.
Tenho medo que digas sim.
Tenho medo (enorme) que digas não.
Tenho medo do desconhecido.
Tenho medo de ir e não voltar.
Tenho medo dos cínicos.
Tenho medo dos poderosos.
Tenho medo dos justos.
Tenho medo dos injustos.
Tenho medo da miséria.
Tenho medo da riqueza.
Tenho medo das máquinas.
Tenho medo de escrever.
Tenho medo de gelar (de vez).
Tenho medo do abandono.
Tenho medo das companhias.
Tenho medo de viver (demais).
Tenho medo de perder.
Tenho medo de (muito) ganhar.
Tenho medo de acreditar.
Tenho medo da exposição.
Tenho medo do isolamento.
Tenho medo de ver.
Tenho medo do esquecimento.
Tenho medo de beber.
Tenho medo da sede.
Tenho medo do sofrimento.
Tenho medo do sol.
Tenho medo da cidade.
Tenho medo de imigrar.
Tenho medo de nada fazer.
Tenho medo de agir.
Tenho medo do ridículo.
Tenho medo de fugir.
Tenho medo do imenso.
Tenho medo do exíguo.
Tenho medo de cair.
Tenho medo de reparar.

Tenho medo daquilo!

Tenho medo.
Tenho medos...