É estranho como já passaram oito anos.
Lembro-me tão bem...
Lembro-me que estava a chover. Esteve sempre a chover. Como se não só nós os mortais, como tu, te estivéssemos a dizer o Adeus, mas toda a terra. Pelo menos aquela que sorriu quando te viu pela primeira vez e que chorou, como eu, como nós, quando soube que nunca mais te veria.
Fazes-me falta, sabes? É quase um lugar comum, uma frase banal, um gesto que fica bem ser feito, mas é sentido. Sabes que é sentido. Faz-me falta ver-te, ouvir-te e saber que era amado tão incondicionalmente como sei que nunca mais o serei. Não, não me importo que assim seja. Importo-me sim que cá não estejas. Junto a mim, junto a nós. Mesmo que esse amor não fosse o mesmo e tivesse já esmorecido, queria-te aqui. Lá. Mesmo longe, tu de mim e eu de ti, sentia-me reconfortado, apoiado, querido, desejado. E tanto mais. Sim, eu sei que nunca esmoreceria, esse amor, mas custa-me menos pensar assim. Acho.
É duro sobreviver a, e viver coisas que sei que irias adorar partilhar comigo. Custa-me, saber que te encherias de orgulho. Muito mais que eu. E que não estejas cá para as passares comigo. Para tas contar. Explicar o que senti. E perceberes-me. Saberes do que estava a falar, eu de peito cheio, tu de alma serena, com a sensação, eu, de que era o primeiro ser humano a quem aquilo acontecia e, tu, sorrires. Benevolente. Afinal já tinhas passado por aquilo e muito mais, compreenderias bem o que te diria. Mas nunca me estragarias o momento glorioso e só meu. Sem rancor, nem desdém, nem mágoa por estar longe e ter tido a pertinência de o passar, só eu, longe, deixarias-me brilhar. E alegrar-te-ias com isso.
Lembro-me de sentir o vazio de estar na casa que tinha sido tua e ver os espaços vazios que tinhas deixado. Os significados que as coisas deixaram de ter, o sentido que os recantos escondiam e perderam, os destinos que os caminhos, sem ti, perderam. Custou tanto, sabes? Custou tanto imaginar-te ali, tantos e tantos anos, palmilhar contigo os caminhos e aprender os segredos, os ninhos, os pássaros, os nomes das ervas que destruía com a fúria de criança, por serem daninhas. Tudo tinha sentido. Se existia, é porque fazia falta. Então porque te foste? Fazes-me falta a mim!
Vê na pessoa que me tornei. Sentes orgulho? Gostava muito de o saber. Gostava ainda mais que sim. Olha para tudo o que eu já passei. Quando te foste era ainda um jovem cheio de sonhos e ideais, de ideologias puras e vontade de mudar o mundo. Agora sou um recém adulto, já com algumas mágoas e outros tantos dissabores, com menos ideais e mais conformismos e alguns radicalismos. Tenho já uma mão cheia de momentos maravilhosos, outra mão de outros dolorosos como nunca pensei passar, mas assim nos fazemos. Acho eu. É assim, não é?
Quem diria que já passaram oito anos. Oito! Como me lembro bem de tudo, tão bem, tão clara e nitidamente. Dos silêncios. Foi o que me custou mais, os silêncios. A ausência. O vazio. Como me enchias a alma, como me sabias e preenchias. E de repente, tudo desapareceu. Ficou só, o nada!
Fez hoje oito anos que a mesma terra que te gerou, te levou. Que desapareceste no escuro de um caixão, abandonado debaixo das pás de terra que te deitavam por cima. Tudo isso não foi suficiente para te levarem de mim. Nem naquele dia, nem nunca! Sempre senti por ti a mesma admiração de criança que nada compreende, mas tudo ama e tudo admira como facto incompreensível, mas fascinante. Fascinavas-me, sim. O teu espírito, o teu amor, a tua sintonia com a natureza. Paz. Diria, paz com a vida. Mas não te foste em paz, senti isso. Talvez por quereres ficar junto a mim? Talvez por não quereres abandonar tudo aquilo que amavas e te sentias amado. Lamento. Muito. Profundamente. Eu gostaria que ainda cá estivesses. Se chega...
Por tudo aquilo que sempre esperaste de mim, que sonhaste para mim, acompanha-me. Olha por mim. Sei que não sou o melhor dos seres, mas sou o teu neto, o único, sou assim e sei que me amavas quando cá estavas, ama-me agora também. Eu preciso. Tem orgulho em mim, está bem? Eu preciso que tenhas.
Já passaram oito anos mas eu continuo no mesmo dia chuvoso, triste e pesado. Não quero acreditar que já não estás comigo. Não quero mesmo! Não posso. Não consigo. Tenho tanto que te contar...
Olha por mim. Olha para mim.
Eu conto-te tudo, depois. Um dia.
Vais ver que não me esquecerei de nada!
sábado, 1 de novembro de 2008
Superego (o meu)
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