terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Dolce fare niente

No fim de semana aproveita-se sempre para espairecer. Quase sempre. A maior parte das vezes... Eu e Portugal (quase) inteiro.

Aproveitei, um passeio abortado de TT e fui até à praia. Sentado no capot, pernas esticadas, a apanhar sol... Uma beleza. Como eu algumas dezenas de pessoas, diferenciando-nos apenas no sítio onde nos sentávamos. Uns liam, outros andavam, jogavam à bola outros, com os seus cães mais uns quantos. Os donos passeavam os cães, os cães os donos... Quem brincava? Quem condescendia?

No meio de tanta gente, encontravam-se uns quantos solitários, como eu, que apenas se importavam com o sol que nos ia aquecendo. Seria? Uns sim, outros duvido. Havia pessoas que, com os pés a deixar rasto na areia, caminhavam cabisbaixos ou pensativos. Outros ignoravam os apelos caninos e meigos dos amigos que tinham ao pé. Outros ainda, com inolvidável alegria, iluminavam as suas faces ao olhar para quem caminhava ou jazia a seu lado, de mão dada e peito cheio de coragem, força e poder contra o futuro, ainda jovem para eles.

No meio de toda aquela imensidão, areia, mar, céu, as pessoas e outros seres, o canto dos pássaros ou os saltos dos pulgões da areia eram apenas estrelas no firmamento do mundo ao alcance da minha visão e sob o poder absorvente dos meus outros sentidos. Que importa? Quem somos nós? Que importância temos nos parcos instantes em que podemos subir ao palco da vida e desbobinar o papel que vamos escrevendo e julgamos importante? Será de facto?

Estava sentado a apanhar sol, a descontrair do stress dos últimos dias, a suspirar profunda, calma e ponderadamente, saboreando cada átomo do ar que inspirava, a observar os outros no quadro daquele inicio de Domingo, sereno, seguro, confiante. Se a vida sempre assim fosse...

Afastado de todo o reboliço do mundo, apenas interrompido por o som penetrante e incomodo de alguns veículos que por ali iam invertendo a marcha, longe das questões da vida da sociedade portuguesa e suas polémicas ocas, senti-me realizado. Não, o papel que escrevo e tento representar de nada serve, mas estava em paz, vazio, silencioso... enorme. Estava ali, mas poderia estar noutro sítio, longe, longe, longe que seria indiferente. Ninguém reparava em mim e eu, pouco precisava de ali estar. A serenidade era independente do local, do que estava a acontecer ou de qualquer outro factor perceptível.

Dei por mim a olhar para lado algum. Já não me lembrava que, tentando vislumbrar ao longe, aquele casal tinha passado por ali. O rasto dos passos da rapariga triste e cabisbaixa, de óculos escuros, deixaram de estar paralelos ou de o ser. Simplesmente perderam-se no lonjura das dunas e as partículas finas de areia, recusaram-se a perpetuar aquilo que é efémero. Sem reconhecer as pessoas que ainda há pouco por ali tinham passado...

Percebi que as pessoas são agora, deixam de o ser a breves momentos. Aparecem aqui, desaparecem por ali, logo a seguir, parcos instantes, brevíssimos. O que nos parecia, ao longe, passados que estão, deixam de o ser. Continuam a parecer, mas, sentado no capot, não me levanto para caminhar mais atrás, mais depressa e alcançar o que já pouco distingo. Passou. Deixa ir. Voltará? Não sei, mas a vida não se faz de certezas ou jogos ou conhecimentos dogmáticos do que se julga reconhecer. Não sabemos. Conhecemos por instantes. Passam.

Sentado no capot, não espero que voltes. Já nem o rasto, nem a silhueta me ajuda. No meio de tudo o resto, deixei de te conhecer ou distinguir. Deixei de me impor uma espera que não acontecerá ou, a acontecerá, não sei se será tão boa como terá sido, quando os teus passos e os meus, não deixavam rasto, nem pegadas porque a luz dos nossos rostos nos elevavam no ar e suspendiam todos os momentos breves, em imensidão temporal sem fim. Nos dias que cabiam nos nossos segundos, cheios, ricos e sublimes.

Levantei-me, sacudi-me, inspirei fundo mais uma vez, elevei os olhos, estiquei-me. Observei uma ultima vez, apurei a vista, mas de facto, já tinhas passado à muito. Tirei a chave, abri a porta, instalei-me no banco. Alto.

A porta ao lado abriu-se também. Afinal estavas ali! Tão perto. Naquele momento senti que nunca dali tinhas saído e que o toque suave do conforto que sentia, não era eu, mas tu que me tocavas e, mão na mão, sentíamos ambos que o mundo, aquele e o outro que estava longe, era só nosso. Ali, agora e sempre!

Sabes que sim.

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